sábado, 20 de fevereiro de 2010

Memórias de duas Caçadoras de Grunhos

Confesso que foi com muita relutância que aceitei fazer esta entrevista. Não que tivesse outra opção, quem manda é o chefe!, mas acho-me academica e intelectualmente superior a este tipo de trabalhos. Então lá fui eu, carregando o meu bloco e o gravador (sempre munido com pilhas extra, claro), tal Cristo a caminho da cruz, para me encontrar com as infames jovens.
Desloquei-me até a uma simpática freguesia no litoral do distrito do Porto, numa solarenga manhã de terça-feira. Porquê terça-feira de manhã? Porque "elas estão ocupadas nos outros dias da semana com a faculdade e não sei mais o quê." Não sei mais o quê. Quer dizer, um gajo sai da faculdade licenciado há mais de uma década e ainda tem que levar com estas miudas que já pensam que são as maiores por poderem votar?! O que um gajo não faz para subir na carreira...
Bem, o que vem a seguir são apenas alguns excertos da entrevista. Para a poderem ler na íntegra, sugiro que comprem a nossa revista.
(não vou revelar o nome da nossa publicação, porque, admito, tenho medo de sofrer represálias não tão simpáticas como a tal freguesia, mas a revista é o número 333)

Combinamos encontrar-nos na biblioteca da escola secundária da zona, por acharmos ser um sítio seguro onde provavelmente nunca seríamos atacados. Mesmo assim, elas estavam armadas. Estava à espera de encontrar duas raparigas balofas com espinhas na cara e com ar de quem tinha acabado de sair de um daqueles filmes tipo "O Diário de Bridget Jones". Estava enganado. No entanto, não posso dizer que tenham causado uma boa primeira impressão. Eram as duas altas, brancas, e tinham cabelos compridos. Uma usava daquelas botas da tropa de biqueira de aço, sabem? Daquelas dos punks, ou dos góticos, ou lá o que é... presumo que talvez faça parte da armadura. A Cláudia, ao contrário da Joana, usava umas daquelas botas que parecem uns chinelos. Será que também fazia parte da armadura? Talvez as botas da Joana sirvam para pontapear e as da Cláudia, devido ao seu leve peso, sejam mais para "fugas". Não sei, nunca percebi grande coisa de botas e moda. Mas não foi por causa disto que não fiquei com uma boa primeira impressão delas. Foi por causa do pouco da conversa que estavam a ter antes de eu chegar que consegui ouvir. (é, às vezes um gajo também ouve as conversas dos outros). A Cláudia dizia, toda empolgada, para a Joana, que tinha ar de quem estava prestes a morrer de extâse "...ai filha, devias de ter visto!!! aquilo sim, era um homem! ai aqueles musculos! ainda consegue ser melhor que o Nelson Évora e a gente sabe que ele é um graaaaaande homem, não é? ahah", ao que a rapariga da tropa respondeu "ai nem me digas! e por falar em "graaaaaaaande", sabes quem e que engordou p'ra caraças?! a Jessica Simpson! ai valha-me Deus que ela parece uma jibóia depois de comer um camião!".
Juro que pensei em virar as costas e demitir-me no dia a seguir. Andei eu 5 anos a tirar a porcaria do curso (pré bolonha!!!) para... para isto? Ninguém merece.
Lá acabei por interromper a animada conversa (juro que se a continuasse a ouvir que me nascia uma úlcera), apresentei-me e demos finalmente inicio ao (raio da) entrevista.

(Perdi a entrevista em formato digital, por isso vou ter que a passar para o pc agora, daí o aspecto meio desleixado).

-Então pedia-vos, por favor, por começar por identificar um grunho.
Joana: ai Cláudia, fala tu que eu tenho vergonha...
Cláudia: Ora bem, isto é assim. Grunho ou guna, tanto faz, é tudo a mesma coisa. Também se-lhes-pode chamar chavs, como em Inglaterra.
Joana: ah, mas o de Inglaterra são bem diferentes dos pura raça lusitana! Eu troco correspondência com uma caçadora de lá e ela diz que eles usam roupa da Burberry, portanto não podem ser comparados aos nossos grunhos!
Cláudia: Sim, é verdade, mas lá no fundo, no âmago da questão, é tudo a mesma coisa. Como eu estava a dizer, um grunho, ou guna, é um rapaz entre os seus 15 e 30 anos...
Joana: ..se bem que só começam a ser realmente perigosos a partir dos 20...
Cláudia: Sim. Eles vêm de uma de uma classe social desfavorecida, onde tiveram uma educação deficitária no âmbito das aptências sociais da vida em comunidade...
Joana: ...e da higiéne.

- Não podem ser mais específicas? Nem todos os jovens desfavorecidos são grunhos, ou são?
Joana: Não não! Há que aprender a separar as águas. Aliás, durante estes últimos quatro anos temos vindo a dominar cada vez melhor a arte da "distinção grunhatória". Isso começa pela indumentária. Ao contrário dos chavs, os grunhos NÃO usam nada que se assemelhe ao famoso padrão da Burberry. Isso fica para as namoradas. (risos).
Cláudia: As chamadas "supeironas". Grunhos em versão feminina.
Joana: Grunho que se prese usa chapéu. Não um chapéu como aqueles que as nossas avós usam quando vão ver a procissão, mas sim um boné. Essa palavra caiu em desuso e agora é, olhe, nem de propósito!, uma maneira de identificar um grunho de um rapaz com poucos recursos monetários.
Cláudia: Para além do chapéu, costumam usar todos o mesmo penteado. Dá para notar debaixo do chapéu, porque a parte de trás é bem maior que o restante cabelo. Também costumam usar brincos e, mais recentemente, graças ao Cristiano Ronaldo, optaram por usar terços ao pescoço.

-Terços?!
Joana: Sim, mas mais uma vez, não são terços como aqueles que as nossas avós levam para a procissão enquanto usam um chapéu de verdade, mas sim uns terços de plástico comprados nos chineses. Costumam ter cores berrantes, como fúxia, verde alface, branco, etc. Às vezes brilham no escuro.
Cláudia: E não têm nenhuma função religiosa, é mesmo só porque é giro.
Joana: É tipo o Natal. Os grunhos continuam laicos como sempre. Se bem que já nos deparamos com alguns, que na altura de deferirmos o derradeiro golpe, nos espantaram por saberem de cor umas 300 ladainhas em nome da Nossa Senhora, enquanto rogavam por clemência.
Cláudia: Não se pode generalizar! Olhe, por exemplo, os grunhos são adeptos de roupa de ganga. Podem, inclusivé, cometer um dos maiores crimes da moda, que é usar duas peças de ganga ao mesmo tempo! (olha para Joana e fazem as duas cara de quem "comeu e não gostou").
Joana: E usam daquelas sapatilhas "molaflex", sabe? daquelas que têm molas na sola...talvez porque precisam de saltar muito alto para conseguir trepar aos galhos dar árvores! Macacos... está a ver? (mais risos)

- E psicilogicamente, quais são as principais características de um grunho?
Cláudia: Porque é que eles são grunhos? Porque grunhem. São seres monossilábicos que a única palavra, insultos à parte, que sabem dizer com mais do que uma sílaba é "tipo". Têm, no máximo, o 9º ano, nunca leram um livro, tirando talvez o "Sexta-feira e a Vida Selvagem" e "A Menina do Mar" porque foram obrigados a lê-los na escola, antes de se terem tornado grunhos a 100%.
Joana: Gostam de futebol, fazem parte das claques dos respectivos clubes, bebem cerveja do Lidl ou do Mini Preço, fumam, chamam-se "mano" uns aos outros, "dama" às namoradas e "cabra" às mães. São burros por natureza, percorrendo todo um espectro de animais: burros, porcos, macacos e filhos de cabras.
Cláudia: Andam sempre armados com o telemóvel, costumam usá-lo como arma de arremeço contra nós quando tentamos iniciar o ritual de "conversão".

-Conversão... já lá iremos. Gostaria de saber o que fez com que vocês, duas estudantes universitárias, com família, amigos, etc, enverdassem por estes caminhos da intelectualização e se tornassem as "Caçadoras de Grunhos".
Joana: Buffy.

- Desculpe?
Cláudia: Buffy, a Caçadora de Vampiros.
Joana: Costumavamos seguir essa gloriosa série durante a nossa adolescência e o bichinho da "caça" foi crescendo em nós.

- Mas vocês não chegam mesmo a matar os grunhos, pois não?
Cláudia: Claro que não! Nós só os convertemos. Portugal já tem uma pirâmide etária envelhecida, precisamos deles.
Joana: Então pegamos nestes energúmenos da sociedade e transformamo-los em pessoas decentes, utéis para a sociedade e para o mundo em geral.

- Então é nisso que consiste o ritual de conversão?
Cláudia: Sim, basicamente é isso. Munimo-nos com as nossas armas, que são nada mais nada menos que um mapa dos Rios de Portugal, uma lista com as conjugações dos verbos irregulares em inglês, uma escala de medições, sabe, kilometro, decâmetro, metro...mililitros, centilitros...
Joana: Também temos uma lista com os feriados em Portugal e a razão porque são celebrados...
Cláudia: ...nada me irrita mais que quando eles dizem que o 25 de Abril se passou no dia 10 de Dezembro...
Joana: Temos também um friso cronológico com os acontecimentos mais marcantes para o país. Ah, temos ainda "Os Maias", "O Memorial do Convento", um disco dos Madredeus e outro do Rodrigo Leão. E um tabuleiro de xadrez.

- E fazem exactamente o quê, com essas armas?
Cláudia: Depois de dominarmos fisicamente o grunho, procedemos a um exorcismo. Exorcisamos o grunho que há dentro dele. Como? Recorrendo às nossas armas! Obrigamo-lo a ler em voz alta uma das nossas armas ou a ouvir um dos discos.
Joana: Acredite que custa. Às vezes ficamos meia hora só para conseguirem ler do kilometro ao milimetro..
Cláudia: Depois do exorcismo, o ex-grunho, que se encontra agora numa fase mentalmente embrionária, fica "vazio", sem alma. Como se fosse uma folha em branco.
Joana: É então nesta fase de debilidade fisica e intelectual que eu mais a minha compincha lhes incutimos aptências "mentais". Tentamos ao máximo instrui-los.
Cláudia: Só os deixamos ir depois de saberem porque celebramos o Natal e qual a diferença entre a Austria e a Austrália. Ah, e depois de mudarem de roupa!
Joana: Roupa essa que nos é gentilmente cedida pela UNESCO. Obrigadinha!

- Deduzo que gostem de ser Caçadoras de Grunhos, já que foram vocês que se auto-intitularam assim.
Joana: Oh sim!
Cláudia: Isto é um máximo, um dia há-de vir experientar c'a gente! Vamos continuar a exercer esta nobre actividade até a idade nos permitir. Temos plena consciência da importancia das Caçadoras na sociedade portuguesa. Se continuarmos a converter 6 grunhos por dia, daqui a nada deixam de haver grunhos aqui na nossa terra e poderemos começar a fazer "tours" pelo país fora e, quiçá, ir até Inglaterra para acabar também com os chavs! (olhos de bambi).
Joana: Andamos também a dar formação a algumas pessoas que tencionam seguir as nossas pegadas, no sentido de tornar Portugal um sitio mais literado.
Cláudia: Desde que não tenhamos exames na faculdade, pode crer que no nosso tempo livre andamos por aí a converter!